“Penso na mulher em que me tornei, na vida que estou agora a viver, e em como sempre quis ser essa pessoa e viver essa vida, liberta da farsa de fingir ser alguém diferente de mim mesma. Penso em tudo aquilo que passei antes de chegar aqui e pergunto-me se terei sido eu – ou seja, este eu feliz e equilibrado – que puxei o meu outro eu mais jovem, mais confuso e mais lutador para a frente durante todos aqueles anos difíceis. O eu mais jovem era a bolota cheia de potencial, mas era o eu mais velho, o carvalho já existentes, que estava sempre a dizer: Sim, cresce! Muda! Evolui! Vem encontrar-te comigo aqui, onde já tenho uma existência plena e madura! Preciso que cresças dentro de mim!”
(Elizabeth Gilbert – Comer Orar Amar)
Ando a aprender a falar espanhol. Não por opção própria, muito menos pelo desejo de conhecer essa língua que dizem ser tão acessível, mas por saber algo que não sei. Ou por não ter tido outra opção. Ando aqui a pensar por que raio ando eu a aprender a falar espanhol. Não é que seja difícil, mas descobri uma particularidade bastante interessante, que não existe em muitas línguas. O conseguir esconder sentimentos entre as palavras, é que o ritmo é tão exagerado e tão festivo que as palavras não são capazes de transmitir emoções. Não seria tudo mais fácil se conseguíssemos esconder emoções naquele dia maldito? Talvez o destino me tivesse levado para um caminho onde eu, futura profissional numa área que admiro, tivesse que obrigatoriamente esquecer emoções e coloca-las num saquinho á parte, assim ao lado dos medicamentos e do estetoscópio. De vez em quando, lá me dariam oportunidade para os ir espreitar…
Mas, já que a minha consciência não se deixa muito levar por essas questões de obrigatoriedade no destino, deixo-a realmente ser a sua função: consciente. Pensar que, de facto, não são as aulas de espanhol que me ensinam a esconder emoções, são as experiências a que me agarrei que me ensinaram tal. Os hábitos que criei, ou melhor, os hábitos que tive que largar, obrigaram-me a disfarçar a quantidade de sentimentos que inspirava o meu coração.
Há pessoas que não entendem que o coração não funciona como um computador; não se pode formatar e guardar apenas o que se encontra nos meus documentos e descartar os programas que o fazem arrancar. Se o fosse, não existiam tantas mulheres a viver um grande amor nem tantos homens a perdê-lo. Nem a consciência, a tao hábil e poderosa razão, conseguirá dar as voltas ao nosso coração. Sempre ouvi dizer que não interessa tamanha razão que tenhamos, há sempre um dia em que a perdemos e há sempre batalhas que deixámos por conquistar. E a consciência perde a dela, até se esquece de lutar, pensando ela já nem valer a pena. Não esquecer que o cérebro não é nenhum leitor de música; não se pode fazer stop e play quando nos apetece. Fica tudo gravado, às vezes até o pormenor que mais nos incomoda. Por isso, é perfeitamente plausível que de repente nos ocorra uma lembrança, um momento, uma palavra, uma pessoa. É possível recordar diálogos e emoções, ou aquelas emoções que estavam escondidas por trás daquele diálogo.
Talvez terei de guardar as emoções aqui dentro, num cantinho, e lembrar-me delas de vez em quando. A não ser que o meu cérebro as relembre quando lhe apetece, e não a mim. Lamento se não sou assim, uma pedra incandescente que brilha a todo o segundo, feliz da vida. Lamento se o meu cérebro processa demasiado rápido as palavras e me deixa proferi-las e transforma-las em emoções. Que eu seja a emocional, mas que não me deixem guardar apertos no peito que aqui, o meu coração quentinho, já tem que chegue. Já o deixei guardar tudo aquilo que já tive para dizer, que já deixei por dizer, penso que a memória se esteja a esgotar e não há cá disco rígido que compense. Porque agora, mulher que me sinto, tenho a plena consciência de que deixei o meu coração sofrer demasiado, e talvez a minha mente, cansada de tanto pensar. E que não é por agora, neste preciso momento, transmitir tudo o que sinto que o farei de uma forma incorreta; pelo contrário, já poderei ter consciência para pensar um bocadinho antes.
Até que me faz bem relembrar panikes de chocolates, choros de riso e piadas sem qualquer piada; coisas que me aquecem a alma e me fazem, jamais, esconder emoções e guardar orgulhos. Afinal de contas, as aulas de espanhol não me servem de nada. Já não escondo nada.