terça-feira, 22 de junho de 2010

tudo passa


"Do que eu tenho mais saudades é de acordar e não pensar em nada, como se o que tivesse passado na noite anterior não tivesse a menor importância e absolutamente nenhum peso na minha existência. Não sei quantas vezes fiz isso, mas lembro-me da sensação de liberdade misturada com uma leve consciência da realidade que não me provocava remorsos nem ensombrava a minha alegria de viver.
Com vinte e cinco anos é tudo muito mais fácil, mais leve, mais simples, intenso, efémero, belo e inconsequente. Viajamos com mochilas e pouco dinheiro no bolso, dormimos em pensões, um cachorro com uma coca-cola são um almoço razoável. Não há passado nem futuro, apenas o dia de hoje, o que nos apetece fazer. E se nos apetece fazer tudo, fazemos mesmo, porque queremos e podemos, temos toda a energia do mundo e a vontade de um exército.
As paixões são rápidas, absolutas e devastadoras; as desilusões, profundas e dolorosas. Mas tudo passa com uma noite de copos, um corpo novo, um ataque de choro, uma discussão violenta, um sopro de tristeza, um suspiro mais fundo. O amor vem nos livros, pensamos que mora nas cartas dos poetas e sentimos que vive no coração das nossas mães, mas não fazemos a mínima ideia do que é. Quando os batimentos cardíacos aceleram e a garganta se resseca, nunca pensamos no que pode vir a ser e como nos podemos magoar. Fugimos para a frente, como fazem os predadores, os kamikase e todos os heróis. Somos o super-homem, o Lucky Luke, o Luke Skywalker e a Princesa Leia. Temos ideais e sonhos só nossos. Imaginamos que o mundo está cheio de pessoas extraordinárias e que cada viagem pode ser o inicio de uma nova vida. Vestimos capas e empunhamos espadas, discutimos antes de pensar e só perdoamos depois de castigar, ou então, estamo-nos nas tintas.
A vida é tudo ou nada, os dias são monótonos e as noites emocionantes, a universidade é um mal menor e ainda temos medo de desiludir os nossos pais. O melhor amigo consegue convencer-nos que o nosso namorado é um chato e que é preciso acabar tudo com ele, antes que a coisa fique série, até porque o mundo está cheio de gajos giros e bons que só querem curtir.
Mesmo assim, sentimos que estamos a crescer. Não queremos, nunca queremos crescer, é muito mais fácil viver na fronteira entre a inconsciência e o bom senso, brincar com tudo, fazer do coração uma bola de ténis e deixar bater, cair, rebolar, perder-se, voltar ao campo e jogar, jogar, sem parar, porque pensamos que a vida acaba aos trinta.
Aos vinte e cinco anos a vida é cheia de possibilidades e, por isso, deixamos para trás as pessoas mais importantes, porque há sempre mais pessoas, mais viagens, mais aventuras, mais emoção. É o tudo ou nada, até ao dia em que acordamos com a cara mais inchada do que é habitual, as ressacas já não se curam com o sono, e olhamos para trás numa tentativa bem intencionada e inútil de perceber o que andámos a fazer.
O tempo passou mais depressa do que pensávamos, num instante temos trinta, depois trinta e cinco, e depois quarenta anos, e já não vivemos cada dia como se fosse o último. Contudo, de vez em quando, como se a memória das células fosse mais forte, ainda sentimos cá dentro a mesma pulsão, a mesma vertigem, a mesma vontade de viver na fronteira da inconsciência, de acordar e não pensar em nada porque o que se passou na noite anterior não teve qualquer importância e nem nos pesa na existência, como se tivéssemos outra vez vinte e cinco anos, a pele lisa e luminosa e o mundo a nossos pés, heróis de banda desenhada que nunca se cansam, não envelhecem nem morrem."
Margarida Rebelo Pinto

Cá eu não tenho assim muita vontade de crescer, prefiro manter-me na corda bamba sem me preocupar com o que a vida me traz ou com o que a vida leva de mim. Assim deitada na toalha a apanhar sol, ou então passar uma tarde na esplanada a beber um refrescante; passar uma noite na praia a beber sem pensar no que tenho que fazer no dia a seguir. Prefiro deixar-me levar com a vida em vez de carregar a vida atrás das costas, pois para pesos já bastam os que nos consomem a alma assim quando pecamos ou nos afundamos em preocupações e desilusões. Pois é tão mais fácil quando não temos que pensar no que fazer daqui a 10 anos, que faculdade seguir e que caminho escolher. É tão mais fácil perdermo-nos por uma noite de loucuras, corpos suados, líquidos refrescantes e beijos quentes que nos transmitem uma sensação de liberdade incrível, apesar de essa má vida nos matar um bocadinho (mas oh, isso lá importa agora!).
Por isso hoje fica por aqui, acende um cigarro e deita-te a apanhar sol que eu trago-te uma bebida. Deixa-te levar pelo caminho que a vida te quer levar; a vida é tudo ou nada.

sábado, 19 de junho de 2010

fernando pessoa

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
E não há nada melhor do que fazê-lo!
 

sexta-feira, 18 de junho de 2010

protege-me

Esta noite mal consegui dormir. Não sei se foi por estar com a cabeça a andar a mil à hora ou se foi pelo medo que me consumiu. Não sei se foi por estar a ouvir os barulhos da noite ou se foi por estar cheia de frio. Desprotegida… talvez não saibas como é sentir-se assim, visto que estás incessantemente a ser consolado e a angústia do vazio não deve gostar de ir para esses teus lados.
Por favor, protege-me só mais uma vez, para que eu consiga fechar os olhos e sentir-me despreocupada caso passes pelos meus sonhos. Só preciso que seja curto e intenso, mas protege-me. Preciso do teu ombro para me consolar, mesmo que no final do dia partas para a tua constante felicidade mas… deixa-me pecar só mais uma vez. Eu preciso de dormir!


At the end of the day, there are some things you just can't help but talk about. Some things we just don't want to hear, and some things we say because we can't be silent any longer. Some things are more than what you say, they're what you do. Some things you say cause there's no other choice. Some things you keep to yourself. And not too often, but every now and then, some things simply speak for themselves.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

guarda silêncio


"...deixamo-nos ficar sentados a observar o mundo à nossa volta. Levamos uma vida inteira a aprender a fazê-lo. Parece que só os velhos são capazes de se sentar lado a lado sem dizer nada e sentirem-se contentes na mesma.
Os jovens, impetuosos e impacientes, têm sempre de interromper o silêncio. É um desperdício, pois o silêncio é santo. Une as pessoas porque só os que se sentem à vontade uns com os outros é que conseguem estar sentados lado a lado sem falar. É este o grande paradoxo..."

Cessam-se as palavras, sente-se o silêncio. Nunca foi o nosso forte usar demasiadas palavras, gastas palavras, escusadas palavras. O nosso forte era o silêncio. Sabes o quanto isso vale? Saber perceber por detrás de olhares e gestos e saber ler as entrelinhas dos curtos e sentidos diálogos que ocupavam os nossos minutos; retirar sempre algo de bom por cada ausência de ruído e por cada interrupção do nosso discurso; conseguir, acima de tudo, guardar silêncio de cada momento nosso. Sabes o quanto isso vale?
Nunca perderás esse teu ar de menino que me fez ser verdadeiramente feliz, por muito que cresças e te tornes no homem que os teus mais chegados sonham que sejas; mas, aqui entre os nossos silêncios, é o teu ar de menino despreocupado e brando que te torna irresistível e dono de ti mesmo. Ser jovem é isso mesmo: crescer, aprender com a vida e nunca perder a cara de menino que marca a diferença. Tu tens a força, tens a garra e guardas os maiores sonhos do mundo dentro de ti sem usufruíres de qualquer som, guardas contigo o que é importante guardar para que poucos te consigam desvendar. Sabes o quanto isso vale?
Um dia destes vamos vaguear pelas ruas, sentar num banco de jardim e conversar até cessarem as palavras. E nós, como nos sentimos à vontade um com o outro, conseguiremos estar sentados lado a lado sem dizer absolutamente nada. Mas promete-me que guardas silêncio…

quinta-feira, 3 de junho de 2010

sujos hábitos


Tenho que fazer de conta que não existes. É o meu dever.
Tu sabes que eu sei o que se passa a minha volta, tu sabes que eu sei o que me vais contar do teu dia, tu conheces-me bem. E eu conheço-te bem, assim que sei que tu sabes o que guardo de ti. Eu não preciso da tua generosidade para comigo e tu não precisas de mim contigo.
Peço-te. Larga as tuas boas palavras. Palavras leva-as o vento e eu habituei-me demasiado a agarrar tudo o que ele me trazia, de ti para mim. Trazia-me o teu lado bom e eu ia matando as saudades que guardo de ti. E eu habituei-me a isso. A questão é esta: eu sempre me habituei ao que me entregavas e tu nunca te habituaste ao que eu te dava. Perdendo-se os hábitos, sente-se a falta. Tu, na realidade, nada perdeste. Não tens um único hábito, o que faz de ti uma pessoa extremamente feliz. E eu observo-te todos os dias como um protótipo da sociedade; contigo nada se torna turvo, nada se esquece e tudo é perceptível. Atormentas-me sabendo que não és digno do que te considero mas, meu doce, eu também já me habituei a largar-te, não custará tanto agarrar-me a esse velho hábito em vez de me agarrar aos ventos que te trazem até mim.
Hoje tenho e vou fazer o que devo fazer. Se fizer o que sinto, corro o risco de me habituar outra vez a ti.