domingo, 23 de novembro de 2008

inquietação envolvente

A porta parece mover-se sozinha, talvez devido às correntes de ar que abrangem a casa por completo. As cortinas esvoaçam, as folhas do caderno colocado por cima da habitual secretária de estudo junto à janela, soltam-se e espalham-se pelo ar, as duas portas do pequeno compartimento do calçado abrem-se e fecham-se assim sucessivamente; que inquietação. É esta inquietação que ocupa o ar vazio dos, talvez 18 metros quadrados do local onde desfruto da maior parte do meu tempo. Sim, aquele local que mais me acalmava, que me trazia uma enorme paz e conforto, mergulhou-se na inquietação que atinge tantos e tantos locais como este. É ligeiramente estranha esta sensação de desconforto e observar tanto movimento à minha volta. A porta já nem fecha, deve-se ter apercebido que falta a entrada de algum ser e já perdi todas as memórias guardadas no pequeno caderno, que pena, que grande pena! É claro que esta inquietação me afecta,é claro que tudo isto visto do outro lado da casa é banal, sempre foi. É claro que para quem está fora da janela a observar por entre as cortinas esvoaçadas, deduz que a casa está ou assombrada ou que vivem lá malucos. É claro que é muito fácil falar. Agora ouço constantemente o esvoaçar das folhas soltas que voam em minha direcção, são as folhas do caderno secreto sem chave, perdi-a num dia em que fui sair contigo, com a pressa nem me apercebi de que a chave se tinha soltado do porta chaves que andava preso no meu bolso direito, ainda me recordo. Aliás, eu recordo-me de todas as saídas e entradas desta porta, dos locais que visitei e das lembranças que guardei no caderno. São essas as lembranças que amaldiçoam, que me trazem o mesmo pensamento a todas as horas e todos os minutos, por muito que eu lhes peça para não o fazerem. Malditas, nunca me obedecem. Parecem velhotas constantemente as resmungar comigo, ou porque sem querer não me coloquei no meu devido lugar à entrada do autocarro ou porque sem querer calquei o seu pé e já é caso de cair o mundo aos santos! Confesso que as lágrimas já são inevitáveis quando seguro nos pedaços de papel que te tentei entregar. Tarde demais! Perdi. Não, não perdi, esqueci-me de vencer a última batalha, a guerra ainda não terminou. E por muitas lágrimas derramadas que sejam, não significa que a guerra está perdida. Já devias saber que não me deixo vencer facilmente, nem esta porta inquieta me vai ganhar. Julgo que ela sente a tua falta, segreda-me ao ouvido de vez em quando e eu aprecio os seus desabafos. Se soubesses ... Castiga-me imensas vezes por eu não fazer isto ou aquilo, por eu gostar demasiado do jogo dos porquê's, por eu ser virada para os "meios-termos" e não gostar de ser a primeira em nada. Oh, se castiga! Nem me deixa dormir, para tu veres que eu hoje, a um domingo, acordei às 7h30 certinhas e nunca mais preguei olho. Maldita a hora em que eu coloquei a cama ao lado da porta. Mesmo os seus constantes movimentos, a nossa foto lá colocada não descola. Decidi, então, revelar-lhe alguns segredos, como ela por vezes mo faz. Confesso que me senti imensamente bem, libertar esta reviravolta de sentimentos e voar por entre as folhas despedaçadas; soube-me mesmo bem ouvir outras palavras sem ser as tuas que não me saiam da cabeça, soube-me bem não ter medo de chorar perante ela e não ser alvo de"a culpa é tua". Soube-me bem este conjunto de compreensões e troca de impressões, deu-me saudades, confesso também. Nem capaz fui de calcar as lembranças escritas nas folhas de papel, a porta trouxe-as até mim, eu li, e reli, li e reli, li e reli vezes sem conta. Julgo que não te apercebeste de que eu era também afectada, e nem te apercebeste que sou demasiado agarrada a sentimentos. Este ar ofusca-me a vista, sinto-me ligeiramente mal e julgo que vou sair daqui. Irei terminar isto de uma só maneira. Esqueceste-te de fechar a porta ou fizeste de propósito para que ela ficasse aberta?

5 comentários:

Carlos Vinagre disse...

Gostei, continua.

qel disse...

Oh Catarina, este texto está qq coisa. Sabes, tenho vontade de responder à pergunta q lançaste para o ar «(Esqueceste-te de fechar a porta ou fizeste de propósito para que ela ficasse aberta?)» mas ao mesmo tempo - e visto q me encontro do lado de fora da casa - não o sei fazer.
«Castiga-me imensas vezes por eu não fazer isto ou aquilo, por eu gostar demasiado do jogo dos porquê's, por (...) não gostar de ser a primeira em nada». Confesso q, neste contexto, sou como tu: sem querer, deixo sempre q os pontos de interrogação me invadam a cabeça. E também nunca sou a primeira em nada, julgo q por receio. Penso q é normal, não te deixes castigar. Só espero q fiques bem e q continues a escrever tudo o q te vai na alma porque escrever faz-nos sempre um bem tremendo e liberta-nos um bocado, traz paz de espírito.
Um grande beijinho *

Inês (?) disse...

Perfeição xO

Diogo Silva disse...

A vida realmente... tudo é um jogo dos porques nao concordas? meios termos fazem o dia a dia...sera que mandamos em nos? ou tudo que fazemos esta destinado logo do principio? olha nao sei mas desejo-te a maior sorte do mundo e a minha felicidade a ler os teus textos é a de sentir somente sentir =0)*

Anónimo disse...

CATARINA, beeem .
deixas-me embasbacada, completamente.
Sabes bem o quão gosto dos teus textos, mas este... superas-te todas as espectativas.
Gosto muuuuuito de ti, ( tu obrigas-me a dize-lo )

- ahh, e, só te quero comer (A)

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